COLORGRAPHIA CXXVIII – TEMPOS DIFÍCEIS

Edvard Munch (1863–1944) “Autorretrato com a Gripe Espanhola”, 1919. Galeria Nacional da Noruega, Oslo.

Edvard Munch autorretratado numa pintura de 1919, o segundo ano em que a Gripe Espanhola fazia milhões de vítimas. Conseguiu o artista sobreviver à terrível pandemia, ao contrário de outros grandes nomes da Pintura como Amadeo de Souza Cardozo.

Evocação do passado nestes tempos difíceis, porque a História nos pode sempre ensinar com os erros de outrora.

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Ora Eça II

“O riso é a mais útil forma da crítica, porque é a mais acessível à multidão. O riso dirige-se não ao letrado e ao filósofo, mas à massa, ao imenso público anónimo. É por isso que hoje é tão útil como irreverente rir das ideias do passado: a multidão não se ocupa de ideias, ocupa-se das fórmulas visíveis, convencionais das ideias. Por exemplo: o povo em Portugal, nas províncias, não é católico – é padrista: que sabe ele da moral do cristianismo? da teologia? do ultramontanismo? Sabe do santo de barro que tem em casa, e do cura que está na igreja.”

in Carta a Joaquim de Araújo, 25 de Fevereiro de 1878

“É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes.”

in “O Distrito de Évora”, 6 de Janeiro de 1867 (nº1)

“É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento». A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, tem, à parte os disparates que fazem, um «talento de primeira ordem»! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de «robustíssimos talentos»! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!”

in Os Maias

“Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade de todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na Terra – porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.

-Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo…Não! Não saía deste passinho lento, prudente, correto, que é o único que se deve ter na vida.

-Nem eu! – Acudiu Carlos com uma convicção decisiva.

E ambos retardaram o passo, descendo para a Rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrarem ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes. De repente, Carlos teve um largo gesto de contrariedade:

-Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje, para o jantar, um grande pato de paio com ervilhas.

E agora já era tarde, lembrou Ega. Então, Carlos, até aí esquecido em memórias do passado e sínteses da existência, pareceu ter inesperadamente consciência da noite que caíra, dos candeeiros acesos. A um bico de gás tirou o relógio. Eram seis e um quarto!

-Oh diabo!… E eu que disse ao Vilaça e aos rapazes para estarem no Bragança, pontualmente, às seis! Não aparecer por aí uma tipóia!…

-Espera! – Exclamou Ega – Lá vem um americano, ainda o apanhamos.

-Ainda o apanhamos!

Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:

-Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma. Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:

Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder…

A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:

-Ainda o apanhamos!

-Ainda o apanhamos!

De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para o apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.”

in Os Maias

Excertos de obras de José Maria Eça de Queiroz, palavras escritas no Séc. XIX, mas sempre atuais.

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DESASSOSSEGO

Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de ação considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte – ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.

O exemplo máximo do homem prático, porque reúne a extrema concentração da ação com a sua extrema importância, é a do estratégico. Toda a vida é guerra, e a batalha é, pois, a síntese da vida. Ora o estratégico é um homem que joga com vidas como o jogador de xadrez com peças do jogo. Que seria do estratégico se pensasse que cada lance do seu jogo põe noite em mil lares e mágoa em três mil corações? Que seria do mundo se fôssemos humanos? Se o homem sentisse deveras, não haveria civilização. A arte serve de fuga para a sensibilidade que a ação teve que esquecer. A arte é a Gata Borralheira, que ficou em casa porque teve que ser.

Todo o homem de ação é essencialmente animado e otimista porque quem não sente é feliz. Conhece-se um homem de ação por nunca estar mal disposto. Quem trabalha embora esteja mal disposto é um subsidiário da ação; pode ser na vida, na grande generalidade da vida, um guarda-livros, como eu sou na particularidade dela. O que não pode ser é um regente de coisas ou de homens. À regência pertence a insensibilidade. Governa quem é alegre porque para ser triste é preciso sentir.

O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou um indivíduo doente e a família. Enquanto fez o negócio esqueceu por completo que esse indivíduo existia, exceto como parte contrária comercial. Feito o negócio, veio-lhe a sensibilidade. Só depois, é claro, pois, se viesse antes, o negócio nunca se faria. “Tenho pena do tipo”, disse-me ele. “Vai ficar na miséria.” Depois, acendendo o charuto, acrescentou: “Em todo o caso, se ele precisar qualquer coisa de mim” – entendendo-se qualquer esmola – “eu não esqueço que lhe devo um bom negócio e umas dezenas de contos.”

O patrão Vasques não é um bandido: é um homem de ação. O que perdeu o lance neste jogo pode, de facto, pois o patrão Vasques é um homem generoso, contar com a esmola dele no futuro.

Como o patrão Vasques são todos os homens de ação – chefes industriais e comerciais, políticos, homens de guerra, idealistas religiosos e sociais, grandes poetas e grandes artistas, mulheres formosas, crianças que fazem o que querem. Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer. O resto, que é a vaga humanidade geral, amorfa, sensível, imaginativa e frágil, e não mais que o pano de fundo contra o qual se destacam estas figuras da cena até que a peça de fantoches acabe, o fundo-chato de quadrados sobre o qual se erguem as peças de xadrez até que as guarde o Grande Jogador que, iludindo a reportagem com uma dupla personalidade, joga, entretendo-se sempre contra si mesmo.

Excerto do Livro do Desassossego de Bernardo Soares.

COLORGRAPHIA CXXV – TURNER, O PINTOR DA LUZ

William Turner, The Burning of the Houses of Lords and Commons, 16th October, 1834. Óleo sobre tela, (pintado em 1834 ou 1835)  92 cm x 123.1 cm. Museu de Arte de Filadélfia.

William Turner, The Burning of the Houses of Lords and Commons, 16th October, 1834 – segunda pintura. Óleo sobre tela (pintado em 1834 ou 35),  92 cm x 123.1 cm. Museu de Arte de Cleveland.

Duas obras de William Turner (1775 – 1851) ilustrando o incêndio do parlamento britânico ocorrido em 1834. Um pintor que teve sempre um fascínio pelos fenómenos naturais, como a luz do sol, as tempestades, o fogo ou o nevoeiro.

O seu legado influenciou decisivamente a geração impressionista, em particular Claude Monet.

Ligações:

Livro:

  • Bockemühl, Michael (2019) Turner. Colónia: Taschen. ISBN 9783836504546

COLORGRAPHIA CXXIV – AS CORES DO OUTONO E UM ANIVERSÁRIO ESQUECIDO…

Claude Monet: Efeito outonal em Argenteuil (1873), óleo sobre tela, 55 × 74.5 cm. Courtauld Institute of Art, Londres. Clique na imagem para ver a ampliação e sentir a textura desta obra.

O regresso de Monet a este blogue para assinalar o equinócio de outono. Entretanto comemorou-se a 9 deste mês o 16.º aniversário do “Abaixo de Cão”…

COLORGRAPHIA CXXIII

Claude Monet (1840 – 1926), Le Parlement de Londres. Ciel d’orage (O Parlamento de Londres. Céu de Tempestade) 1904. Óleo sobre tela, 81.5 × 92 cm. Palais des Beaux-Arts, Lille, França.

O regresso de Monet com um quadro pertencente a uma série de 19 obras pintadas entre 1900 e 1905. Os primeiros quadros foram pintados em Londres, mas o artista prosseguirá o tema recorrendo a fotografias do local, facto que na época causou polémica.

Uma pintura retratando o Parlamento britânico, instituição que o atual primeiro-ministro quer transformar em peça decorativa…

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O VERÃO E AS CORES DE CLAUDE MONET – COLORGRAPHIA CXXII

Claude Monet, Paisagem Perto de Monte Carlo (1883), óleo sobre tela, 65.6 x 82 cm. Coleção particular.

No verão nada melhor que as cores de Claude Monet. Quem estiver interessado pode despender entre 5 e 7 milhões de dólares, se o dono quiser vender…
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Livros:

CORES DE VERÃO – COLORGRAPHIA CXXI

Van Gogh (1853–1890) Campo de Trigo ao Pôr do Sol. Óleo sobre tela, 73,5 x 92 cm. Museu de Arte de Winterthur, Suíça.

Neste verão uma paisagem de Vincent van Gogh pintada em junho de 1888 na cidade francesa de Arles. Já naquela época o negro do fumo das fábricas fazia parte das cores do verão…

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